Legalização-do-jogo-no-Brasil.-Só-falta-o-“pulo-do-gato”!
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Todos os que prestam atenção ao tema dos jogos de fortuna ou azar no Brasil têm a certeza de uma coisa, o jogo vai ser legal no Brasil. A questão complica-se no entanto, quando nos perguntam quando chega a hora de isso acontecer. Utilizando uma deliciosa expressão muito usada pelos meus amigos brasileiros, acrescento que apenas falta ao legislador dar “o pulo do gato”.

As recentes alterações no cenário legislativo em Brasília e a profunda crise causada por uma pandemia que tem sido bastante fustigadora para o povo brasileiro, podem indiciar que o momento da dita legalização dos jogos de fortuna ou azar, pode estar mais perto que nunca. E se acreditarmos, como eu, que estamos perto, não será de todo inoportuno pensar quais poderão ser os desafios que a legalização de uma atividade como esta pode representar para um país como o Brasil.

i) Enquadramento Jurídico

Um dos primeiros desafios a considerar pelo legislador será qual o enquadramento jurídico a dar ao modelo de exploração dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar. Numa tentativa de simplificação dos variadíssimos modelos operacionais que existem pelo mundo fora, diríamos que o legislador brasileiro poderia considerar efetivamente dois modelos distintos de enquadramento jurídico. Referimo-nos em concreto ao modelo da concessão utilizado para operações de base territorial em países com um ordenamento jurídico semelhante ao brasileiro, como Portugal e Macau; e o modelo da licença utilizado em países como os Estados Unidos, Reino Unido e Singapura para os cassinos de base territorial e em países como Portugal, Espanha e outros países europeus, para operações online.

Não sendo este um texto de natureza jurídica, não irei discorrer longamente sobre a teoria jurídica de cada um dos modelos. Deixo portanto, apenas algumas notas sobre a matéria.

As concessões são normalmente atribuídas para situações de exploração de atividades que estariam inicialmente destinadas aos estados (telecomunicações, transportes, energia, etc) e em que o capital investido para desenvolver as infraestruturas necessárias à implementação e exploração dessa mesma atividade é muito significativo. Esta é, por exemplo, uma das razões pelas quais as concessões possuem prazos bastante alargados no tempo – 20 ou mais anos. Depois, a exploração da concessão de uma determinada atividade é muitas vezes antecedida do pagamento de um prémio pela atribuição da concessão, que depois é completado ou pelo pagamento de um reforço anual, ou ainda pelo pagamento de um outro montante definido entre as partes contratantes, que no caso da exploração dos jogos de fortuna ou azar pode por exemplo ser o pagamento de um imposto sobre a receita bruta das operações e ainda do pagamento de outro tipo de contrapartidas financeiras. Outra das características da concessão é que no final do termo da concessão, os objetos e os imóveis adstritos à concessão, revertem a favor do estado.

Já no caso das licenças, à partida destinam-se a autorizar um determinado particular a explorar uma atividade que lhe estaria vedada, não fosse a emissão dessa mesma licença. Pela forma como está desenhada a licença, aplicar-se-ia a atividades que por exemplo não necessitariam de um investimento tão significativo, razão pela qual são naturalmente concedidas por períodos de tempo bem mais curtos (um ou cinco anos). No caso das licenças será pago um montante para emissão dessa licença e depois um valor a pagar por exemplo a título de imposto. Nesta situação, os bens não revertem para o estado mantendo-se a sua titularidade na esfera jurídica da entidade licenciada.

Feita esta distinção de natureza jurídica, diríamos por exemplo que, para os cassinos de base territorial, nomeadamente aqueles que se enquadrem em resorts integrados, o enquadramento jurídico a seguir poderia ser o da concessão porquanto este tipo de infraestruturas implicarão investimentos significativos que demorarão certamente vários anos até serem efetivamente amortizados. No final da concessão, tanto os imóveis construídos como os restantes bens adstritos à concessão reverteriam a favor do estado.

Por outro lado, tanto as operações de base territorial, de dimensões mais pequenas como Bingos, casas de máquinas ou apostas esportivas, ou então todas as operações online, por não implicarem investimentos financeiros tão significativos nem outro tipo de obrigações adicionais, demorariam certamente menos tempo a serem amortizados pelo que o prazo de duração das respetivas licenças poderia também ele, ser muito mais curto.

ii) Modelo de Taxação

Ao que nos é dado a entender, o Brasil tem uma realidade fiscal extremamente complexa. Essa complexidade pode ser confundida com falta de clareza ou transparência do sistema fiscal e funcionar como uma força de bloqueio ao investimento internacional. É por isso importante definir um modelo fiscal que prime pela simplicidade da fórmula de cálculo da matéria coletável e bem assim pela razoabilidade da percentagem a aplicar a título de imposto devido pela exploração de jogos de fortuna ou azar. Uma taxa elevada e de difícil definição desencorajará, por exemplo, os operadores que hoje operam no chamado “mercado negro” a legalizarem a sua operação.

Por outro lado, o foco essencial do legislador deve ser, trazer para a legalidade, todos aqueles que até hoje operam no dito “mercado negro” fazendo com que seja possível cobrar impostos por essa operação.

Daí que, o ponto central a considerar, deverá ser sempre a receita bruta angariada pelas operadoras das mais variadas modalidades de jogo, aplicando-se de seguida, uma taxa de imposto sobre esse valor. Este formato de tributação é perfeitamente transparente, claro e fácil de calcular, tanto para os operadores como para o futuro regulador. Adicionalmente, poderão ser cobradas taxas pela instalação de mesas e máquinas de jogo e bem assim um valor adicional anual que podia variar consoante o valor das receitas de cada operador. Acresce ainda que no modelo da concessão, poderá também existir um regime de contrapartidas de investimento em equipamentos públicos como acessos rodoviários, construção de equipamentos de apoio e ou de subsídios para a cultura, atividades desportivas e religiosas, por exemplo.

O objetivo final é que o regime de taxação seja simples, justo e atrativo para todas as entidades que desejem operar no mercado brasileiro. É por isso prudente que o legislador perceba a importância de criar um regime fiscal que cumpra com estes requisitos e não funcione como um entrave à legalização da indústria.

iii) Tipos de Jogo a Legalizar

Este é um dos temas mais complexos na discussão dos jogos de fortuna ou azar no Brasil. De um lado uma parte dos apoiantes da legalização é favorável a um regime que legalize todas as formas de jogo conhecido e ou existentes no Brasil. Do jogo do bicho às apostas esportivas online, passando pelos cassinos e pelos bingos, o objetivo é trazer para a legalidade o diversificado tipo de operadores que hoje já estão operando no país.

Do outro lado, estão aqueles que acreditam que a legalização de uma ou algumas formas ou modalidades de jogo, como a dos resorts integrados, será a forma mais célere e eficaz de se partir para a legalização da indústria.

Sendo este um texto de opinião, não posso deixar de dizer que apesar de entender que um país como o Brasil, onde a indústria do jogo possui uma diversidade que não pode de todo ser ignorada por quem tem o poder de decidir, é preciso encarar o problema da legalização dos jogos de fortuna ou azar com algum pragmatismo. Ou seja, se o objetivo final será sempre legalizar todas as formas de jogo não deixando nenhuma em situação de clandestinidade, é também importante refletir, qual ou quais das modalidades de jogo será mais impactante para a sociedade brasileira e logo ser considerada prioritária do ponto de vista do processo de legalização, que é por natureza bastante complexo e comprovadamente moroso.

Ou seja, qual o tipo de operação que será capaz de atrair maior investimento nacional e ou estrangeiro que justificaria ser legalizado de forma separada e antecipada face aos demais? Que operação criará mais novos empregos? Que operação arrecadará mais receita para os cofres públicos? E qual terá maior impacto no setor do turismo e do entretenimento?

Na minha opinião, são os denominados resorts integrados. Este tipo de empreendimento trará ao Brasil os principais players mundiais, trazendo consigo, não só os bilhões de dólares para serem investidos mas também todo o know-how da exploração de propriedades de sucesso. Por outro lado, tanto os cassinos como os hotéis, os restaurantes, os shoppings, as arenas de espetáculos, os centros de exposições e as demais facilidades existentes naquele tipo de empreendimentos empregarão dezenas de milhares de cidadãos e serão pontos de atração de turistas locais e estrangeiros. Quanto à receita gerada, é igualmente expetável que um empreendimento de grandes dimensões consiga arrecadar quantias significativas para o estado e naturalmente para os respetivos operadores.

Em resumo, o Brasil terá sempre que legalizar todas as formas de jogo existentes, mas não pode continuar refém do argumento de que ou se legalizam todas as formas de jogo ou não se legaliza nenhuma. Imaginando que será mais fácil legalizar um modelo com provas dadas em vários países do mundo e que consigo poderá trazer grande investimento para o país, como também criar milhares de empregos, a solução passaria por não protelar mais a legalização de pelo menos uma modalidade de exploração – a dos resorts integrados.

Se, por ventura, o processo de legalização de todas as modalidades puder ser fechado rapidamente e não continuar a ser protelado como tem sido até aqui, então avance o legislador com a regulamentação generalizada de toda e qualquer forma de jogo, a bem de todos.

Estes são apenas três dos principais desafios que o legislador brasileiro terá de enfrentar no processo de legalização dos jogos de fortuna ou azar. A tarefa não é fácil mas para além de profissionais altamente qualificados, o Brasil pode lucrar com o facto de ser uma das poucas jurisdições no mundo democrático onde não é possível jogar de forma legal. Há, portanto, dezenas de exemplos que podem ser analisados na tentativa de escolher aquelas que são as melhores práticas da indústria e aquelas que melhor se adaptam à particular realidade brasileira. Só falta mesmo “o pulo do gato”.