Economista afirma que decreto presidencial é a melhor opção para regulamentação de apostas esportivas
Economista afirma que decreto presidencial é a melhor opção para regulamentação de apostas esportivas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou que a aguardada regulamentação de apostas esportivas, gerando a cobrança de impostos sobre o setor no Brasil, deve permitir uma arrecadação de R$ 2 bilhões a R$ 6 bilhões por ano.

Economista e gestor de recursos Alexandre Manoel, que, na equipe econômica do governo Temer, lidou com legalização das apostas esportivas em sites, pontuou que essa quantia pode ser alcançada no primeiro ano da regulamentação. A entrega de outorgas para as casas de apostas que se regularizarem pode alcançar esse valor, porém, é um efeito de um ano.

Desta maneira, o economista apontou – em um artigo de opinião publicado na última semana no Estadão – que a melhor opção seria um decreto presidencial para oficializar a regulamentação de apostas esportivas via Lei 13.756. Confira o texto completo a seguir:

Uma aposta de risco

Regulamentar apostas esportivas visando arrecadação é um erro. Quem faz o alerta é o economista Alexandre Manoel, sócio e economista-chefe da gestora AZ Quest. Ele era secretário de acompanhamento fiscal, energia e loterias do Ministério da Fazenda em 2018, quando foi aprovada a Lei 13.756 (a partir da MP 846), que legalizou as apostas esportivas no Brasil.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse recentemente que a intencionada regulamentação das apostas esportivas, levando à cobrança de impostos sobre o setor, deve arrecadar de R$ 2 bilhões a R$ 6 bilhões por ano.

Manoel, que mergulhou no tema como autoridade que lidou diretamente com a MP 846 no governo Temer, diz que, em termos de arrecadação permanente, a tributação das apostas esportivas deve trazer, na melhor das hipóteses, algo entre R$ 600 milhões e R$ 1 bilhão por ano.

Uma das razões é que mais de 95% das faturamento dos sites de apostas esportivas retorna aos apostadores sob a forma de prêmios, e, portanto, o ganho a tributar é muito menor do que se imagina. Pelo lado dos apostadores, grande parte dos ganhos são de pequenos valores, centenas de reais, não ultrapassando a faixa de isenção do IR – e, portanto, para a maioria dos brasileiros que estão isentos, aqueles ganhos não geram um rendimento tributável.

No primeiro ano da regulamentação das apostas esportivas, ressalva Manoel, a entrega de outorgas para as empresas de apostas que se regularizarem pode talvez render R$ 6 bilhões. Mas é um efeito de um ano só.

Ainda assim, o melhor caminho, para o economista, seria o de um decreto presidencial para regulamentar a Lei 13.756, que poderia ser quase imediatamente seguido pela elaboração de contratos de concessão pelo Ministério da Fazenda e leilões de outorga. O caminho, cogitado pelo governo, de editar uma MP para regulamentar as apostas esportivas é uma armadilha, na visão de Manoel, que pode inclusive prejudicar a condução do processo político que tentará levar ao novo arcabouço fiscal e à reforma tributária.

Para fundamentar o seu ponto de vista, o economista da AZ Quest de início rememora as circunstâncias em que as apostas esportivas foram legalizadas em 2018, no governo Temer.

A MP 846 de início não visava legalizar as apostas esportivas, mas sim consolidar a legislação sobre loterias, para melhorar o processo de rateio e canalizar recursos para a segurança pública. A ideia da legalização das apostas esportivas em sites, no bojo da MP 846, foi proposta pelo ex-deputado Vicente Cândido (PT-SP) e apoiada pelo ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), com aval do então presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ideia vingou, entrou na MP e virou lei.

Como a Lei 13.756 não foi regulamentada até hoje, não se cobram impostos relativos às apostas esportivas feitas em sites.

Manoel recorda que o Ministério da Fazenda à época defendeu que as licenças para os sites deveriam ser feitas por autorização, mas Cândido preferia concessão – e, segundo o economista, os fatos provaram que o ex-deputado petista tinha razão. Na MP/legislação aprovada, abriu-se espaço para que fosse feito de um jeito ou do outro.

O economista considera irônico que o governo do PT agora queira regularizar os sites de apostas esportivas por autorização.

“É muito muito melhor para eles seguirem a linha já pensada pelo deputado petista à época, que é construir um contrato com a própria Procuradoria da Fazenda, colocando as punições [a empresas de aposta que cometam irregularidades ou fraudes] no contrato de concessão”, aponta.

Dado que, na visão do sócio da AZ Quest, a tributação de apostas esportivas é pouco relevante em termos fiscais – no Brasil como em outros países, ele acrescenta -, “o mote para a regulamentação deveria ser a melhoria do ambiente local de negócios, por meio da preservação da integridade do esporte e da proteção da economia popular”.

Segundo Manoel, a legalização das apostas esportivas em 2018 já produziu benefícios para os sites de apostas e para clubes de futebol, que vêm sendo patrocinados pelos primeiros. Porém, sem a regulação, os apostadores – assim como outras pessoas e entidades – eventualmente prejudicados por má conduta de sites de apostas não podem acionar o Procon e não têm a quem reclamar.

E, prossegue o economista, problemas relacionados às apostas esportivas existem desde a sua época no governo, como sites atuantes no Brasil mas instalados em paraísos fiscais.

E há muitos outros riscos. Sites piratas ou criminosos podem oferecer apostas em jogos e fraudar os consumidores. Podem também oferecer apostas de jogos que não existem. As apostas esportivas podem levar até mesmo a escândalos como o caso revelado recentemente da manipulação de resultados de três jogos da rodada final da Série B do Campeonato Brasileiro do ano passado.

Para Manoel, “com a regulamentação, aumenta-se a proteção ao consumidor e à integridade do esporte”. Ele pensa que sites regulados informarão ao governo discrepâncias estatísticas suspeitas no desempenho de jogadores e clubes, por exemplo, como ocorre em outros países.

Já em relação às punições por irregularidades ou fraudes, como já mencionado, o economista considera muito mais prático que elas sejam introduzidas nos próprios contratos de concessão.

Manoel pensa, a partir da sua própria experiência no governo Temer, que jogar uma MP para regulamentar as apostas esportivas no Congresso Nacional é abrir uma caixa de pandora. É um assunto que mobiliza toda a sorte de interesses e pressões, e no qual é grande o risco de transformação em lei (após os quatro meses de vigência da MP) de algo muito diferente do que foi proposto.

Adicionalmente, há o projeto de lei de legalização geral dos jogos de azar no Brasil, já aprovado na Câmara e que está agora no Senado. O economista não descarta que o burburinho da tramitação de uma MP de regulamentação das apostas esportivas redesperte o tema de legalização do jogo no Congresso.

“E essas discussões certamente contaminariam o ambiente em que vai se dar o debate do arcabouço fiscal e da reforma tributária, desviando o foco e minando a energia do Ministério da Fazenda num momento decisivo”, ele alerta.