Criminosos tentam aproveitar ‘boom’ do setor de apostas para realizar golpes

Fundador da Alphabets Investimentos Esportivos, Rogério Cruz Guapindaia conseguiu atrair inúmeros investidores, sobretudo, na Região dos Lagos no Rio de Janeiro, ao se apresentar como ‘gênio das apostas de futebol’. Ele fornecia lucros diários de 1,2% a 3,2% até desaparecer, em setembro de 2021, com o dinheiro dos seus clientes.

Com a Alphabets caracterizada agora como uma pirâmide financeira escondida atrás de um aplicativo de apostas, os clientes acreditam que não conseguirão recuperar o dinheiro. No entanto, uma reportagem de ‘O Globo’ indica que esse não é o único caso de fraude relacionado ao mercado de apostas.

Recentemente, em uma busca e apreensão no local onde Rogério Andrade foi preso, em Petrópolis, os investigadores acharam provas de que o bicheiro operava uma plataforma chamada ‘Heads Bet’. A manipulação de resultados esportivos é outro problema a ser combatido com máximo rigor em todo o mundo.

A Sportsradar Integrity Services (SIS), referência mundial em monitoramento de fraudes esportivas, achou indícios de atividades suspeitas no Campeonato Cearense, o que fez o Crato Esporte Clube ser retirado da competição deste ano.

As apurações contra os responsáveis, todavia, não ocorrem na mesma velocidade do crescimento das ocorrências. Até hoje, o inquérito que mais andou foi a Operação Distração, da Polícia Federal (PF) em Sergipe, que desbaratou um grupo envolvido na exploração de jogos, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por intermédio de um site, o EsporteNet.

Atuação internacional

De acordo com o Grupo de Atribuição Especializada em Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro, os documentos encontrados na casa de Rogério de Andrade apontam a expansão internacional dos seus negócios.

A atuação do bicheiro nesse segmento, segundo os investigadores, incluía apostas presenciais e online. Preso junto com Rogério, Gustavo de Andrade, filho do bicheiro, prestou depoimento à Delegacia de Homicídios da Capital, em 2020, em relação ao inquérito sobre as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Na ocasião, ele reconheceu que um funcionário da empresa de sua família, Renato Peçanha Pires, o Renatinho, formou sociedade com o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, para montar um bingo no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.

Conforme O Globo, o Gaeco acredita que Renatinho seria um laranja para esconder o nome do bicheiro como verdadeiro proprietário. Preso desde março de 2019, Lessa será julgado pelas execuções de Marielle e Anderson Gomes.

A EsporteNet, alvo principal da Operação Distração, promovida no ano passado pelo Ministério Público Federal, foi a principal patrocinadora do Fortaleza Esporte Clube. Na operação, foram apreendidos mais de R$ 13 milhões, além de carros, celulares, eletrônicos e documentos nas duas etapas da operação, deflagradas em março e em setembro de 2021.

Além disso, Cabo Frio foi o local selecionado por Cruz para a base da Alphabets. O operador se descrevia nas mídias sociais como ‘ex-jogador de futebol, corretor de imóveis e gerente de restaurante até se “encontrar como trader esportivo e investidor do mercado de apostas”. Para atrair os clientes, assegurava fazer o dinheiro “render como nenhum outro investimento”.

A Alphabets possuía uma pequena sala comercial na parte central de Cabo Frio, todavia, Rogério, conforme os clientes, esteve apenas duas vezes na cidade. Ele optava por realizar tudo pelas mídias sociais, onde também publicava registros da rotina pessoal.

“Rogério vendeu a ideia de que era gênio das apostas esportivas. Como botava a cara, sem vergonha de aparecer, acabei acreditando. Pelas regras do negócio, o cliente ganhava um percentual caso indicasse uma pessoa. Era claramente um indício de pirâmide, mas não liguei na época” disse o lojista Samuel dos Santos Valadares, um dos prejudicados, ao Globo.

Desaparecimento e encerramento das operações

A Alphabets, que se apresentava como “o primeiro robô de operações esportivas do Brasil”, encerrou as operações em setembro de 2021, logo depois da operação Kriptos, que prendeu Glaidson Acácio dos Santos, o “Faraó dos Bitcoins”, outro operador acusado de criar uma pirâmide financeira. Na cidade, ficou a impressão de que Rogério decidiu sumir antes de também ser preso.

A informação surpreendeu os investidores do site, que tentaram entrar em contato com Rogério pelas redes sociais para tirar dúvidas e cobrar os valores que deixaram na plataforma. Alguns ameaçaram o operador, enquanto outros formalizaram boletins de ocorrência em delegacias.

Em registros das redes sociais, depois de encerrar o negócio, Rogério surgiu debochando dos clientes: “Você não vai receber nada” e “Obrigada pelo seu dinheiro” foram algumas das frases atribuídas a ele. Também usando as redes sociais, em um vídeo, ele deixou um recado:

“Vocês não tem noção de quem vocês estão mexendo. Vocês não sabem quem é meu corpo jurídico, vocês não sabem os amigos policiais que eu tenho, a influência que a gente tem dentro do governo. Prestem bastante atenção quando forem me ameaçar”.

Além da prisão, em 2017 por tráfico internacional de drogas e ligação com o tráfico, Rogério conta com mais de 600 processos na justiça. A Alphabets é somente uma das razões sociais do negócio, que já foi chamado de PoupeInveste EIRELI, Green Bilionários e RC Investimentos LTDA.

Mercado de apostas esportivas no Brasil

Cabe ressaltar que as casas de apostas são autorizadas a operar no território nacional desde dezembro de 2018 em função de um decreto assinado pelo então presidente Michel Temer. Entretanto, a regulamentação para o setor ainda não foi concluída.

Portanto, as casas de apostas esportivas ainda necessitam ser hospedadas em servidores fora do país para operar no país e não podem ter escritórios por aqui. Pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que o segmento de apostas esportivas no Brasil movimente entre R$ 4 bilhões e R$ 9 bilhões anualmente.

Procurados pela matéria publicado em ‘O Globo’, os advogados de Rogério de Andrade comunicaram que só se pronunciarão sobre as imputações ao cliente após conhecer o inteiro teor da acusações. Rogério Cruz não foi localizado para se defender, bem como os responsáveis pelo EsporteNet.