Exclusivo- Bruno Maia - novas ideias para a indústria do esporte
Imagem: Lana Pinho / Divulgação

Através dos anos, o esporte tem atravessado por diversas modificações e inovações ao longo do tempo. A maneira de assistir, de assimilar e de interagir com ele também está mudando e, com isso, as transmissões precisam mudar também.

A revolução do streaming, até seriados e filmes sobre esportes estão cada vez mais no cotidiano de quem busca esse tipo de conteúdo (e até de quem está apenas procurando algo para assistir).

Um exemplo claro e atual é o filme ‘King Richard: Criando Campeãs’, que deu o prêmio de melhor ator ao americano Will Smith. O filme retrata a história da dupla e do pai de Serena e Venus Williams e a trajetória das duas e do pai superprotetor que elas têm.

Bruno Maia, executivo de inovação no esporte e autor do livro “Inovação é o Novo Marketing – Insights de negócios para o futebol pós-Covid-19″ (2020), é um especialista quando o assunto são as novas ideias no esporte e como isso pode ser explorado.

Há dois anos, Bruno tem se dedicado à criação e desenvolvimento da Feel the Match, uma empresa que desenvolve novas propriedades de imagem para o esporte, cruzando-o com outras disciplinas da cultura pop.

Esses e outros assuntos foram abordados numa entrevista exclusiva que Bruno Maia cedeu ao portal iGaming Brazil.

Leia abaixo a entrevista exclusiva na íntegra

iGaming Brazil – Como surgiu a ideia do Livro?

Bruno Maia – A ideia do livro veio de um processo pessoal de investigação sobre inovação e tecnologia no esporte. Começou quando eu era vice-presidente de Marketing do Vasco. Uma percepção rápida de que havia um atraso muito grande nessas discussões de novos modelos de negócios no mercado brasileiro, mercado do esporte onde eu estava me inserindo. Isso tinha muito a ver também com a minha história antes do esporte, eu sempre fui muito ligado a tecnologia nos meus negócios, e comecei a estudar muito para me atualizar e achei importante promover a discussão, levar, compartilhar esse conhecimento para tentar atualizar um pouco p que se falava sobre isso no Brasil.

Comecei a escrever uns artigos no Linkedin, no meu blog pessoal e quando eu vi já havia um volume grande, eu continuava determinado, estudando mais e quando veio a pandemia eu pensei em fazer um MBA fora do Brasil, remoto naquele momento, com uma especialização nisso, mas foi inviável. Então comecei a pegar umas ementas de cursos importantes que tinham no mundo disso e estudar por conta própria. Quando vi tinha um volume grande de coisas e achei que valia a pena lançar o livro e acabou chegando no mercado num momento importante, muitas mudanças de estruturas de negócios começaram a vir, de regulação, etc, acho que veio num timing apropriado.

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iGaming Brazil – Como os clubes poderiam explorar mais suas marcas com o aumento de visibilidade que os streamings oferecem (como documentários sobre uma temporada, transmissões de treinos, etc)?

Bruno Maia – Os streamings são a primeira camada de uma nova forma de consumir conteúdo e que, com o desenvolvimento do que a gente chama de Web3 vai mudar muito ainda. A indústria dos games foi uma das primeiras a mostrar que você tinha conteúdo e variedade, de profundidade de conteúdo, com as próprias criações de criptomoedas, com a que você compra avatares e outros elementos do jogo, e você cria outros conteúdos a partir disso, esse Play to-earn que a gente vê hoje bombando, e eu acho que são linguagens e novas formas de consumir imagem, direito de imagem, consumo de propriedades intelectuais e afins que vão se desenvolver muito no esporte, vão mudar muito a forma como a gente consome e também vende e compra direitos e ativos.

A Feel The Match surgiu mais ou menos com essa ideia. A primeira coisa dos clubes é botar pessoas especializadas ou interessadas em se especializar nisso, é toparem os riscos dos novos modelos, entendendo que eles num primeiro momento não dão a mesma grana que os modelos antigos, mas que eles são a ponte de transição para o que vai dar grana no futuro e que vai manter a sobrevida do negócio; não só para os streamings mas para todos os negócios que estão surgindo e que se aproveitam das histórias e das emoções que um clube de futebol é capaz de gerar.

iGaming Brazil –  O que essas mudanças de hábitos podem acarretar na estrutura de distribuição de conteúdo, principalmente entre as gerações mais jovens?

Bruno Maia – Eu acho que a mudança na forma de consumir conteúdo nas gerações mais jovens já aconteceu. A principal delas, na minha opinião, é que hoje o esporte, especialmente o futebol, eu considero uma etapa de uma jornada de entretenimento que o jovem tem. O que eu quero dizer com isso? Antigamente toda a nossa emoção, todo nosso entretenimento, quando se era jovem, convertia para o futebol no final de semana na televisão. O jornalismo promovia aquele jogo, a gente na escola discutia a expectativa daquele jogo, e no dia seguinte falávamos novamente sobre aquele jogo até que chegasse o próximo jogo.  Não tínhamos tanta variedade de coisas pra consumir ao mesmo tempo.

Quando a TV a cabo veio isso começou a mudar, mas o futebol ainda tinha um protagonismo muito grande, é um assunto que detém a atenção e fica muito tempo no ar, segurando a audiência facilmente. Mas quando chegou o streaming, com um fracionamento da atenção, muito mais diversidade, a gente vive num tempo hoje onde os nichos são cada vez mais fortes então se você é vegano e gosta e gosta de bocha disputada no Timor Leste é capaz de você encontrar essa competição no Timor Leste na internet pra assistir.

Então isso tudo nos leva a um conforto e a uma personalização muito grande de nossa forma de consumo. O esporte continua ali, mas ele está competindo com todas as outras coisas ao mesmo tempo, todos os seus interesses. Eu acho que o desafio é fazer o futebol conversar com essas outras camadas de entretenimento. Algo que o entretenimento americano já faz há muito tempo, o esporte é tratado como entretenimento não é à toa há muito tempo. Então essa mudança no comportamento dos jovens que é fruto das inovações tecnológicas dos nossos tempos, dos acessos que se têm hoje, afetam o comportamento dessa pessoa, e obviamente o esporte tem que se adequar.

O futebol sempre achou que o mundo deveria se adequar a ele e demorou pra perceber que não, ele precisa se adequar às novas demandas. Nem sei se ele já percebeu como um todo, ele começou a se ligar e fazer pequenos movimentos pra se adaptar porque esse consumidor já existe, ele já está aí fazendo escolhas e muitas vezes deixando o futebol para trás.

Botafogo e Cruzeiro se transformaram em SAF e passaram a ser administrados por John Textor e Ronaldo Fenômeno, respectivamente.

iGaming Brazil- Estamos presenciando o aumento de clubes aderindo à SAFs, no futebol brasileiro. Essa seria a “única salvação” para esses clubes?

Bruno Maia– Eu acho que as SAFs no futebol brasileiro são um novo momento, um novo capítulo. A gente precisa passar por esse processo de profissionalização, de gestão profissional, o modelo associativo não funcionou, chegou a um lugar onde a gente engendrou os clubes e criou estruturas de poder muito complexas para serem quebradas. Temos casos de sucesso como Palmeiras e Flamengo, por exemplo, ou sucessos momentâneos em positivo, mas ao mesmo tempo uma história cíclica, já vivemos auges de grande clubes que no modelo associativo depois conseguiram botar tudo a perder. Acho que foi uma mudança que veio pra acontecer, ela precisa acontecer, ela vai acontecer.

Não acho que seja a única salvação, não acho que seja uma regra para todos os clubes nem que todos têm que se anotar na mesma hora, mas acho que é uma tendência de mercado, é uma tendência de negócio da própria sobrevivência do futebol pra que a gente possa voltar a ter investimentos e para que a possa modernizar o futebol colocando-o em sintonia com tudo aquilo que falamos, com as mudanças do mundo, de consumo mesmo, colocando o foco do negócio mas à frente do que a estrutura política, que as estruturas de poder que as entidades associativas acabavam também gerando. 

Então não é a única salvação e nem acho que SAF é salvação, tem dezenas de exemplos de SAFs que foram malsucedidas, mas acho que a tendência de você ter clubes com uma estruturação de investidores externos é uma tendência e vamos viver as consequências disso na nossa vida de consumidor no futebol nos próximos dez anos.

Eu costumo dizer desde a época do livro em 2020 que o futebol mudaria em dez anos o que não tinha mudado em 100. Já tem dois anos que lancei o livro e essa tese vem se confirmando, as mudanças desses últimos dois anos são muito profundas e acho que só está começando.

iGaming Brazil – Como você analisa essa explosão de casas de apostas esportivas no futebol brasileiro?

Bruno Maia – Analiso a explosão das casas de apostas não no futebol brasileiro, mas como fenômeno mundial, uma indústria muito forte, que com o crescimento do entretenimento digital se torna ainda mais poderosa, é um investimento que tem que se considerado, temos que ter muito cuidado na regulação disso, para garantir a transparência e o cuidado com a idoneidade dos jogos, assim como chegar num modelo econômico que seja estimulante para que as grandes empresas estejam aqui.

Acho que no pior dos caminhos é o Brasil ficar no meio (no meio do caminho), não ter uma estrutura economicamente interessante para os maiores investidores que estariam aqui, naturalmente tenderão a ajudar com a regulação do mercado. E também não ter um nível de controle porque você fica com players medianos e mais exposto a fraudes e interferências que não seriam bacanas pro esporte, então acho que a preocupação de criar uma legislação que seja interessante para que o Brasil compita com os grandes mercados de casas de apostas e à mesma altura para que isso aconteça.

iGaming Brazil – Do ponto de vista do marketing, como os clubes podem usar essas casas de apostas para engajar torcedores?

Bruno Maia – Não vejo muita relação em usar o marketing pra engajar torcedores de apostas. O marketing é um instrumento para você engajar os consumidores em qualquer produto. O que acho que você pode ter são modelos muito iniciais, pouco complexos, normalmente patrocínio e alguma geração de receita para os usuários e clubes, mas ainda muito inexpressiva.

Eu acredito que no mundo em que estamos vivendo, e a Fell the Match, por exemplo, é uma empresa de Web 3 focada em Web 3 driven , numa economia mais compartilhada, numa lógica de divisão de desenvolvimento de soluções juntas para um bem maior, por um universo mais colaborativo, um universo em blockchain, tudo isso com um princípio de transparência de compartilhamento e colaboração, eu acredito que os modelos de apostas também podem  ter um pouco mais disso junto com os clubes pra poder chegar nesse lugar.

Mas também entendo que isso é uma construção. Tem um mercado em amadurecimento, tem o futebol brasileiro muito quebrado, o mercado de apostas com muito dinheiro e então a possiblidade de comprar um ativo valioso a preço de banana ainda faz com que tenha tanta gente de apostas investindo no futebol brasileiro a ponto de você nem conseguir entender quantas casas de apostas são, de tão poluído que fica o universo, mas conforme for navegando e as pessoas forem criando mais hábitos acho que o amadurecimento virá com naturalidade e quanto mais compartilhado for mais naturalmente os torcedores vão se engajar.

iGaming Brazil- Quais frentes essas casas de apostas poderão abrir após a regulamentação das apostas esportivas no Brasil?

Bruno Maia – As frentes que as casas de apostas podem abrir são várias, mas eu acho que no Brasil podem ser o uso de instalações físicas se houver liberações para cassino, prestação de jogos em ambientes físicos, muitos clubes têm propriedade com o uso subutilizado, que têm valores importantes nos centros urbanos onde estão e que podem gerar mais receita, conectar mais as apostas ao clube, então, por exemplo, é um universo que pode ser desenvolvido.

Acho que temos também a cultura das estatísticas, os torcedores novos que curtem acompanhar as estatísticas que influenciam nas apostas. Isso é uma linguagem narrativa, porque temos canais que fazem transmissões com foco em estatística e performance. Enfim, acho que podemos trabalhar cada vez mais isso pra oferecer experiencia mais customizada a diversos tipos de torcedores que temos no futebol hoje.

E sem dúvida a cultura da aposta, a cultura dos games, a cultura dos dados, ela permeia, ela esta ali com uma geração inteira que cresceu jogando videogame , gostando de futebol,  mais joguinho do que vendo na televisão, então está todo mundo muito próximo, o game, as apostas, a Web 3, essas novas formas de distribuição de conteúdo. Todos estão se tangenciando, se tocando, e sem dúvida nenhuma vai continuar moldando as próximas gerações de consumidores e ajudando o futebol a evoluir de acordo com o que o nosso tempo está nos pedindo.

iGaming Brazil – Essa nova geração não está habituada a ouvir jogos em rádio, ou assistir os canais abertos de televisão. Netflix, Youtube, Podcasts e outras plataformas ganham cada vez mais espaço com os adolescentes. Existe um formato que a televisão possa adotar para atrair e recuperar esse público, ou você acredita que a TV perderá cada vez mais seu posto?

Bruno Maia – A meu ver, a questão não é formato, mas modelo de negócio. O modelo da TV vai atender bem a um público, como o rádio nunca morreu, nem o jornal, nem nenhuma mídia anterior. Na década de 50, não adiantaria o rádio tentar ser TV. O que adiantou foi entender o que eram as rádios em um mundo que havia TV, afinal até os anos 50 não existia.

A TV precisa entender o que funciona melhor nela que não é tão efetivo no streaming. E existem vários formatos que são dela mesmo. Não sei se o futebol estará nisso ou se é um tipo de conteúdo que será muito melhor experimentado no streaming. Talvez o tempo mostre isso. Nesse caso, não haverá nada a ser feito. Apenas assistir esportes de um jeito diferente (pra quem se acostumou em outra época) e que será padrão para novas gerações que não vão ter essa referência.

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iGaming Brazil – Como você se auto-definiria?

Bruno Maia – Um cara apaixonado pelo ofício da comunicação, que entende essa profissão como um instrumento de conexões humanas através das tecnologias que estão acessíveis. A inovação é uma área sempre presente na minha carreira pois novas tecnologias se tornam acessíveis com o passar do tempo e a gente precisa decifrá-las, traduzi-las e transformá-las.

Minha vida se move em cima desse fio o tempo todo. O esporte é uma linguagem potente de amor e conexão humana, assim como a música. Não à toa, foram as duas áreas onde eu mais pratiquei essa minha vocação.