Governos devem seguir melhores padrões internacionais para criação de loterias estaduais
Foto: Caixa Econômica Federal / Divulgação

Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, a loteria deixou de ser uma atividade exclusiva da União. Desde então, os estados e municípios estão autorizados a retomar ou criar os próprios jogos. Por isso, diversos governadores estão trabalhando para ativar loterias estaduais visando aumentar os recursos destinados aos cofres públicos.

Em artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo, o ex-secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) Gustavo Guimarães ressaltou que essas oportunidades para alavancar novas receitas somente serão bem aproveitadas, se os governos estaduais seguirem os melhores padrões internacionais.

Além disso, Guimarães pontuou que é responsabilidade da União criar a lei das loterias estaduais para estabelecer as normas e padrões para a prática. Todos os detalhes do artigo podem ser conferidos a seguir.

Loterias estaduais: estão brincando com a sorte?

Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal permitiu aos estados iniciarem ou ampliarem em seus territórios a exploração de serviços lotéricos —abrindo oportunidades para alavancarem novas receitas. Essa oportunidade só será bem aproveitada se seguir as melhores boas práticas internacionais.

Segundo a lei, o montante arrecadado (R) por uma loteria é dividido em três partes: premiação (P); tributos (T); e remuneração da empresa operadora (O) —de tal forma que R = P + T + O. O governo se beneficia dos bons resultados, pois sua parte “T” cresce quando “R” cresce. Assim, lhe interessa a boa performance dos produtos lotéricos.

A arrecadação de loterias no Brasil gira em torno de 0,2% do PIB, em média, enquanto em países similares chega a 1%. Há grande potencial de aumento de receitas. O estado de São Paulo pode arrecadar anualmente até R$ 2,5 bilhões adicionais.

Porém, nem São Paulo nem os demais estados que já iniciaram processos de implementação ou atualização do marco legal, como Maranhão, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Distrito Federal, estão seguindo as melhores práticas internacionais.

Na Europa, nos EUA e no governo federal (lei 13.756/2018), a distribuição do arrecadado (R) é definida em lei. No mínimo, deveriam definir a participação percentual do governo. Essa prática é essencial para a segurança jurídica do operador (ao planejar os investimentos), importante para o apostador conhecer previamente o retorno esperado e, sobretudo, fundamental ao governo para dar previsibilidade à receita que financiará suas políticas públicas. Ocorre que os estados estão propondo suas leis de forma que caberá aos governos definirem, a posteriori, a participação (%) de cada parte.

A título de exemplo, a lei 17.386/2021 de São Paulo, no que se refere a loterias, é lacônica: “Fica o Poder Executivo autorizado a instituir e explorar, […] a Loteria Estadual de São Paulo, devendo utilizar o resultado líquido obtido no custeio de ações voltadas à assistência social e à redução da vulnerabilidade social no Estado”. Esses “cheques em branco” ao Executivo estadual podem ser inconstitucionais pelo fato de o percentual “T” ser considerado alíquota de tributo (ainda que voluntário). Mesmo a decisão do STF é clara ao garantir aos estados explorar loterias, desde que “observada a competência privativa da União para legislar sobre o tema”.

Para essas leis estaduais serem viáveis, teriam que, via regulamento infralegal, manter exatamente os percentuais da lei federal. Porém, fosse esse o caminho, bastaria replicar tais percentuais na legislação estadual, mas não é isso que tem ocorrido nos estados que já apresentaram seus modelos.

A ausência de parâmetros legais e a discricionariedade dos Executivos estaduais para definir os percentuais de participação de cada parte por decreto ou portaria, além de prejudicar a previsibilidade, transparência e segurança jurídica, abre espaço para uma concorrência “regulatória” e não “de mercado”, como já vimos antes na conhecida guerra fiscal do federalismo brasileiro. Por fim, pode ser contestada pela União, como legislador e como concorrente na exploração lotérica.

Contudo, essa postergação na definição dos percentuais pode ter origem na inércia ou lentidão federal. Não temos hoje critérios claros sobre a exploração pelos estados, pois todo arcabouço foi construído com o modelo federal exclusivo. Cabe à União editar a lei das loterias estaduais para definir as regras e parâmetros, inclusive dos percentuais citados. Essa questão é urgente sob o risco dos Estados se anteciparem com decisões equivocadas ou sem efeito prático, além de criar mais imbróglios jurídicos ao federalismo.

É importante também que os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos estaduais se atentem aos processos de implantação das loterias em fase de estudos, a fim de o interesse público prevalecer e o mercado ter condição de se expandir em direção ao seu potencial, gerando empregos, renda e arrecadação.

Em vez de seguir os mercados maduros de loterias, ou exigir uma legislação nacional com as “regras do jogo”, os governos estaduais se precipitam e estão prestes a criar mais uma jabuticaba. O STF abriu novas oportunidades de receita, e os Estados estão brincando com a sorte.