Após aprovação do projeto de Marco Legal dos Jogos no Brasil na Câmara dos Deputados, a proposta seguiu para o Senado. A expectativa é que a pauta seja colocada em votação ainda neste ano, provavelmente, depois das eleições gerais no país. O texto prevê a liberação de cassinos integrados a resorts, caça-níqueis, bingos, jogo do bicho, entre outras modalidades.
Em coluna publicada no site da Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman defendeu o direito de apostas de maneira legal no Brasil. Para o colunista, não há como adotar o argumento de autonomia individual para apoiar o direito de utilizar drogas, abortar ou submeter-se a eutanásia, mas não ampliar esse direito para aqueles que gostariam de gastar parte dos seus recursos em um cassino no Brasil.
Para Schwartsman, esse tabu relacionado aos jogos e apostas no Brasil se deve a um ‘moralismo meio besta’ que faz com que parte da população julgue quem opta por apostar o seu próprio dinheiro. O texto foi publicado na última sexta-feira, 1º de julho, no site da Folha. Confira a coluna na integra!
Não dá para defender o direito de usar droga e não o de jogar
Os lobbies dos bingos, cassinos e do jogo do bicho não são a melhor companhia para estar, mas devemos tentar manter alguma coerência. Não vejo como se possa usar o argumento da autonomia individual para defender o direito de usar drogas, abortar ou submeter-se a eutanásia mas não estendê-lo aos que desejam torrar em caça-níqueis ou roleta o dinheiro que ganharam honestamente. O que discutimos, no fundo, é menos o conteúdo de cada um desses direitos e mais os limites do poder do Estado para regular a vida das pessoas.
Cuidado, não estou defendendo uma versão bolsonarista da liberdade como o direito de fazer tudo o que a natureza no faculta. Sempre que as consequências de uma ação podem causar dano concreto a terceiros, o poder público tem legitimidade para agir. Mas, quando os efeitos deletérios atingem primordialmente a pessoa que fez a escolha, só deve se preservar a liberdade, incluindo a de errar. Um exemplo didático é o da combinação de drogas (em especial o álcool) com a direção de um veículo. Se o cara quiser se entupir de cachaça ou cocaína, é direito dele. Mas, se o fizer, não pode dirigir seu carro, já que colocaria pedestres e outros motoristas e passageiros sob risco.
É claro que, no mundo real, as pessoas são muito menos autônomas do que desejaríamos (o próprio livre-arbítrio pode não passar de um ilusão) e não existe ação que, em algum grau, mesmo que pequeno, não afete toda a comunidade. Ainda assim, penso que precisamos de instituições e regras que preservem a ideia de que cada um é responsável por suas escolhas, ou inauguraríamos o regime da irresponsabilidade garantida. Eu diria que essa é uma das ficções necessárias.
No frigir dos ovos, acho que é apenas um moralismo meio besta que nos faz reprovar que o sujeito gaste todo seu dinheiro no jogo, mas não objetamos quando ele chega ao mesmo resultado no mercado de derivativos.