Policia Federal muda posição sobre legalização de cassinos após consulta ao Ministério da Justiça

Em fevereiro de 2024, a PF enviou diretamente ao senador Irajá, relator do projeto, uma nota técnica defendendo a proposta.

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Polícia Federal (PF) enviou ao Senado uma nota técnica apoiando o projeto de lei que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho sem consultar previamente o Ministério da Justiça. Posteriormente, o delegado responsável elaborou um novo documento, alterando sua posição para alinhar-se com o órgão superior comandado por Ricardo Lewandowski, que se opõe à proposta.

Esta informação consta em documentos obtidos pelo portal Folha e em relatos confidenciais de pessoas envolvidas no processo.

Em fevereiro de 2024, a PF enviou diretamente ao senador Irajá Abreu (PSD-GO), relator do projeto, uma nota técnica defendendo a proposta. Notas técnicas são documentos produzidos por equipes especializadas de órgãos governamentais ou instituições do terceiro setor para fundamentar análises sobre temas específicos.

Quando questionada sobre o assunto, a Polícia Federal explicou que já emitiu diversas notas técnicas sobre o tema, destacando problemas relacionados à lavagem de dinheiro, inclusive durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados.


O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou em ofício enviado à reportagem: “Desta forma, a Polícia Federal reafirma sua total contrariedade ao mérito do projeto de lei em questão.”

Diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues – Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Ministério da Justiça reitera sua oposição

Por sua vez, o Ministério da Justiça reiterou sua oposição à proposta e comunicou oficialmente esta posição à Secretaria de Relações Institucionais.

Além disso, a pasta esclareceu que o Ministério, através da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL), consolida os posicionamentos sobre propostas legislativas. Os órgãos técnicos contribuem apenas fornecendo subsídios para essa atuação.

Embora órgãos subordinados possam expressar opiniões sobre projetos, geralmente a posição oficial cabe ao superior hierárquico, neste caso, o Ministério da Justiça.

A Folha revelou que o documento inicial da PF apresentava apenas uma ressalva: o setor deveria destinar parte dos recursos arrecadados diretamente ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (Funapol).

A diretoria de assuntos parlamentares da corporação encaminhou o documento ao Senado, baseando-se na análise da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor).

De acordo com três pessoas que acompanham a tramitação do projeto, esse posicionamento não foi submetido à aprovação do Ministério da Justiça.

Duas dessas fontes ouvidas pela Folha mencionaram que, embora já ocorressem reuniões para discutir o tema, não havia, naquele momento, uma posição definida da pasta ou do governo Lula sobre o assunto.

Até hoje, aliás, diferentes ministérios mantêm opiniões divergentes sobre o tema – Fazenda, Turismo, Trabalho e Desenvolvimento Social, entre outros, apoiam ou não expressam objeções ao projeto.

Senador Irajá, relator do PL dos Cassinos – Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em junho do ano passado, o projeto relatado pelo senador Irajá foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Apesar de ter sido incluído na pauta do Plenário, acabou não avançando.

Quando o Ministério da Justiça decidiu estabelecer seu próprio posicionamento, solicitou à PF que fornecesse subsídios para fundamentar esse entendimento.

Policia Federal envia uma nova análise

Em novembro de 2024, portanto, a Polícia Federal enviou uma nova análise – desta vez não ao Senado, mas ao ministério. Neste novo documento, a mesma diretoria de assuntos parlamentares, novamente baseando-se na Dicor, mudou seu entendimento e declarou que o projeto “não deve prosperar”. Diversas regiões do país oferecem ilegalmente jogos, proibidos desde 1946.

O projeto que legaliza jogos de apostas ganhou impulso no Senado após a liberação das apostas online, conhecidas como bets. O texto aguarda votação no plenário, mas enfrenta resistência, principalmente da bancada evangélica.

Assim como no caso das apostas, os defensores da legalização de cassinos físicos e dos bingos argumentam que essas atividades já existem no Brasil, porém à margem da lei, o que impede sua fiscalização adequada.

O projeto aborda quatro tipos de jogos de apostas em ambientes físicos, sendo eles: bingos, cassinos, jogo do bicho e turfe. Assim, estabelecendo critérios, limitações e regras para seu funcionamento, além de penalidades para irregularidades.

A PF não mencionou na nota técnica de fevereiro de 2024 as ligações históricas do jogo do bicho com o crime organizado. Também não alertou sobre cassinos e bingos como potenciais meios para lavagem de dinheiro – preocupação principal do Ministério da Justiça.

A corporação argumentou que a aprovação do projeto, com novos tipos de penalidades relacionadas a essas atividades, “bem como crimes relacionados, como lavagem de dinheiro”, aumentaria a demanda sobre a PF, tornando necessário investir nesta área.

Questões legislativas

A PF também alegou não ter competência para se posicionar sobre questões legislativas. Já em novembro, a posição mudou drasticamente: “De pronto, a Polícia Federal entende ser necessária a exclusão integral do projeto e de suas emendas, por entender que é dano à segurança pública.” Conforme a PF, os mecanismos de fiscalização previstos são insuficientes e não permitem a adequada ação estatal.

Caso “infelizmente, não seja possível a exclusão integral” do projeto, a PF solicitou ajustes, como a remoção do jogo do bicho do texto ou a manutenção do sistema atual de prevenção à lavagem de dinheiro, em vez da criação de um novo mecanismo.

A corporação reiterou o pedido para que o setor destinasse parte da arrecadação ao Funapol. Logo após, no início de dezembro, o Ministério da Justiça formalizou sua posição oficial contrária à matéria.