O setor de casas de apostas explodiu no Brasil desde 2018. Na ocasião, o então presidente Michel Temer (MDB) sancionou a Lei 13.756, que autorizou a operação dos sites. Todavia, a permissão é temporária e seu prazo termina em dezembro. O processo visando a regulação definitiva do setor ainda não foi finalizado.
Mas, essa autorização temporária não autoriza que as empresas de apostas tenham sedes no Brasil. Com a sede das empresas no exterior, a tributação se limita aos apostadores. Enquanto os sites hospedados em servidores fora do Brasil não pagam impostos.
Se essa situação jurídica fosse resolvida, a arrecadação federal cresceria tanto quanto a movimentação financeira das casas de apostas. Nesta segunda-feira, 24, o site O Dia publicou uma matéria detalhando como esse limbo jurídico do mercado de apostas impacta a arrecadação de impostos aos cofres públicos. Confira a notícia a seguir:
Regulamentação defasada dos sites de apostas prejudica arrecadação de impostos
O mercado dos sites de apostas esportivas on-line cresceu exponencialmente no país nos últimos anos. Um número cada vez maior de brasileiros investe dinheiro nessas plataformas, o que trouxe a rápida expansão do segmento. Apesar de se tratar de um mercado bilionário, a legislação em vigor que regula a atividade das casas de apostas virtuais está defasada. Se o ordenamento jurídico fosse modernizado, a arrecadação federal de impostos aumentaria na mesma proporção da movimentação financeira das empresas.
Em 2018, o então presidente Michel Temer (MDB) sancionou a Lei 13.756, que legalizou a operação dos sites, chamados de casas de apostas de quota-fixa. No entanto, a permissão é provisória e expira em dezembro. Uma regulamentação definitiva ainda não ocorreu. De acordo com a advogada Luiza Leite, especialista em Direito Tributário, a falta de normas modernas para o funcionamento das plataformas cria um cenário de insegurança jurídica.
A permissão provisória não autoriza que as companhias de apostas esportivas tenham sede no país, já que, segundo a Lei de Contravenções Penais, é proibido o estabelecimento e exploração de jogos de azar. Para a advogada, a falta de legislação adequada e de fiscalização eficiente geram distorções fiscais. Com a sede das empresas fora do Brasil, a tributação atinge apenas os apostadores, quando estes sacam os prêmios das apostas — cerca de 30% do que lucram é taxado. Contudo, os sites hospedados em servidores no exterior não pagam impostos.
“A grande crítica é essa injustiça tributária. A ideia é que se pense em um sistema em que a tributação não seja apenas em quem está captando a aposta, mas também na entidade que está participando dessa atividade, justamente para que você tenha um maior equilíbrio e que você possa reduzir essa carga tributária que hoje é alta. O que acontece muitas vezes, eles acabam optando por alguma empresa gringa que tem valores mais atrativos”, esclareceu Luiza.
Fomentado pela Copa do Mundo, o mercado movimentado R$ 160 milhões por dia no país. Além disso, todos os times da Série A são patrocinados por estas plataformas. O Flamengo, por exemplo, que tem a maior torcida do Brasil, mantém parceria com o site PixBet — que, segundo o Portal BNL Data, está em quinto lugar no ranking das casas de apostas mais procuradas por brasileiros. Estima-se que cerca de 450 plataformas deste segmento atuem no Brasil indiretamente, já que a grande maioria não possui representantes no país.
O mercado atrai cada vez mais empresas internacionais, que enxergam no Brasil uma vantagem competitiva, já que não há recolhimento de impostos pelo governo federal. Em pesquisa realizada pelo Portal BNL Data, ausência de tributação dos sites de apostas gera aos cofres públicos perdas que chegam a R$ 6,4 bilhões por ano.
“A falta de regulação moderna não só afasta novos tipos de investimento nacional no setor, como faz com que o governo deixe de arrecadar valores expressivos, o que poderia contribuir para a nossa economia”, acrescentou a advogada.
Diego Vasconcelos, mestre em Economia da UFRGS, destaca que a falta de tributação afeta outros setores econômicos, que ganhariam impulso adicional caso a arrecadação fosse feita de maneira correta. Segundo ele, uma atividade adequadamente regulada pode trazer benefícios para a área social no Brasil. Vasconcelos explica que o prejuízo causado pela legislação defasada vai além da arrecadação de impostos pela União. Segundo ele, o atual cenário pode ser desvantajoso para o próprio apostador, além de criar a sensação de informalidade nos clientes.
“Em termos das operadoras de apostas — e principalmente as internacionais, que são as principais no Brasil—, a gente não tem nenhum tipo de tributação ou de regulação. Então fica essa coisa muito informal. Poderíamos gerar arrecadação para a União. A gente perde um potencial muito grande nesse mercado”, avalia o economista.
Fiscalização e fraude
Sem regulamentação clara, a fiscalização das casas de apostas esportivas torna-se precária e pode atrair a ilegalidade para o setor. Em agosto, o Ministério Público do Rio (MPRJ) revelou que o bicheiro Rogério de Andrade tinha expandido os negócios para o universo bet. Após buscas na casa do contraventor em Araras, no município de Petrópolis, os agentes encontraram pistas que apontavam para um site de apostas chamado Heads Bet. Em uma rápida pesquisa, identificaram a plataforma, que permitia apostas em 15 modalidades esportivas.
Diversos sites de apostas em esportes já fecharam as portas, seja por reclamações de atraso dos pagamentos ou por má administração. O Premiwin é um desses casos. A plataforma encerrou as atividades após vários apostadores reclamarem pela falta de pagamento de prêmios ou por se verem impossibilitados de sacar os saldos das contas. O Flamantis, criado em 2014, também desapareceu repentinamente do mercado, lesando apostadores — que também perderam os valores que dispunham em contas.
Risco para os jovens
A fiscalização ineficiente dessas casas de apostas on-line também permite que menores ingressem no mundo dos jogos de azar. O estudante do ensino médio A.L., de 17 anos, revelou que conheceu os sites por meio de lives e propagandas no Instagram e Twitter. Ele decidiu começar a jogar porque estava com saldo no banco e não sabia onde aplicar. Com a supervisão do pai, o adolescente se cadastrou com os dados do responsável e decidiu “investir” o dinheiro que recebia como mesada. O jovem contou que outros colegas da mesma faixa etária também se arriscam nessas plataformas e até criaram um grupo para trocar dicas sobre partidas confiáveis.
Apesar de A.L. garantir que sabe controlar o quanto gasta em apostas, muitos adolescentes que acessam estas plataformas sem supervisão dos pais podem se tornar viciados jogos de azar. Segundo a neuropsicóloga Aline Gomes, os menores de idades que acessam esses sites são mais afetados do que os adultos.
“Eles são as maiores vítimas. Uma vez que desenvolvem a dependência desse tipo de emoção, tanto dos ganhos, quanto dos prejuízos. Quanto mais cedo começa a ser alimentado por essas emoções, mais difícil é tirar aquilo ali da pessoa” explica Aline.
Além do vício no jogo, outras questões psicológicas podem ser desenvolvidas. Ela explicou que quanto mais cedo a dependência aparecer, a pessoa se torna mais suscetível a outros tipos de dependência na vida adulta, tais como drogas e pornografia.
De acordo com o levantamento do Portal BNL Data, as plataformas de apostas mais procuradas no Brasil são, bet365, sportingbet, betano, betfair e pixbet. Em todos os sites participação de menores é proibida e os jovens podem ter suas contas banidas. Atualmente, a fiscalização dessas casas é feita pelo Ministério da Economia. Questionada por O Dia sobre como ocorre a fiscalização dos sites, a pasta informou que não iria se posicionar sobre a questão.
Riscos das apostas
A inteligência artificial (IA) é utilizada para diminuir os riscos das apostas. Thalles Koester, estudante de Engenharia de Computação, explica que a tecnologia, assim como as casas de apostas, calcula a ODD — a chance que um time tem de ganhar o jogo. Quando a porcentagem da casa é semelhante ao da calculada pela IA, significa que há grande probabilidade de sucesso. Koester conta que o máximo que chegou a aplicar nas partidas foi R$ 300. Com o uso da inteligência artificial, conseguiu ganhar R$ 500.
Já o professor de música e inglês Felipe — que prefere não ter a identidade revelada — explica que é preciso conhecer bem como funcionam as plataformas. Com a experiência de quem aposta há quatro anos, o professor paga todas as suas contas com o dinheiro que ganha nos sites. As aulas de violão viraram hobby. No entanto, ele diz que demorou para conseguir ter um lucro relevante. Isto porque cada apostador precisa criar a sua própria estratégia. Segundo Felipe, para ter sucesso, é essencial manter o controle emocional e não se abalar com as experiências negativas.
“Praticamente todas as experiências que alguém vai passar nesse meio das apostas, que envolvem renda variável e alto risco, vão ser sedimentadas pelo seu controle emocional. Ele vai estar atrelado a como você usa a sua estratégia e, por consequência, como você faz a gestão do dinheiro”, explica.
O interesse pelos jogos de azar surge normalmente pela busca do desafio. A neuropsicóloga Aline Gomes explica que os efeitos psicológicos das apostas inicialmente podem ser positivos. Na tentativa de aliviar o estresse da rotina, muitas pessoas voltam a buscar as emoções que sentem na hora do jogo. Aos poucos, aquilo que era lazer pode se tornar uma compulsão.
Segundo Aline, a principal maneira de identificar que alguém entrou no estado de vício-compulsão é quando outras áreas da vida são afetadas. Muitas vezes, a necessidade de jogar é tão forte que a pessoa deixa de frequentar eventos sociais e começa principalmente a ter gastar mais do que recebe. Entre os principais sintomas deste tipo de compulsão, destacam-se a impulsividade, a mentira constante e a negação da dependência.