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O mercado de apostas esportivas brasileiro já é movimentado por um grande número de torcedores e fãs de esportes, principalmente do futebol, que atrai cada vez mais empresas de apostas internacionais ao país.

O público brasileiro, que acompanha e torce pelos times nacionais, sempre procura alguma forma de ‘reforçar’ sua paixão com uma ‘fezinha’ ou uma aposta entre amigos, o que já se tornou parte da cultura do Brasil.

Tendo em vista o recente crescimento das apostas esportivas no Brasil, o Financial Times, renomado jornal internacional, publicou o artigo “Gambling groups hedge their bets as Brazilian market opens”, que analisa essa evolução das apostas no Brasil com especialistas internacionais e locais de diversas empresas do ramo.

Confira na íntegra o artigo do Financial Times sobre as apostas esportivas no Brasil

Os brasileiros em busca de uma “fezinha” por muito tempo tiveram as probabilidades contra eles. Devido a uma proibição geral de décadas de jogos de azar, os apostadores eram principalmente limitados a loterias estatais e raspadinhas, apostas de cavalos em pistas autorizadas ou um jogo de números ilegal, mas generalizado – o jogo do bicho – baseado na escolha de animais diferentes.

No entanto, graças a uma lei aprovada no final de 2018, qualquer pessoa com conexão à Internet e método de pagamento eletrônico no país mais populoso da América Latina agora tem outra opção sancionada oficialmente: apostas esportivas online.

A atividade decolou em popularidade desde que foi legalizada e já se estima que gere coletivamente centenas de milhões de dólares para as casas de apostas digitais. A Entain, proprietária da Ladbrokes e Sportingbet listada no Reino Unido, disse este mês que suas receitas de apostas no Brasil mais que dobraram em 2021. Os números exatos não são divulgados, mas a receita de £ 259 milhões, derivada além de seus principais mercados do Reino Unido, Europa e Austrália, é “predominantemente impulsionado pelo Brasil”.

Peter Jackson, executivo-chefe da Flutter, o maior grupo de jogos de azar do mundo e cuja marca Betfair também oferece apostas lá, disse que o país apresenta “uma oportunidade muito significativa”.

A ausência de regulamentação e concessões formais de licença, no entanto, dissuadiu alguns operadores que estão cautelosos com a insegurança jurídica e os custos, segundo executivos do setor. Por exemplo, diz um, “você tem que fazer o seu banco fora do Brasil e então você se depara com taxas de câmbio subindo e descendo”.

Mas enquanto o governo de Brasília corre para elaborar regras para a indústria nascente a tempo de um prazo estabelecido pela legislação original e a Copa do Mundo de futebol de dezembro no Catar, as empresas internacionais de jogos de azar estão de olho no Brasil como um grande mercado em crescimento.

A expectativa é que um marco regulatório claro abra as portas para novos entrantes, estabeleça padrões e impulsione os cofres públicos.

Após a liberalização por vários estados dos EUA, que permitiram o jogo online para ajudar a tapar os buracos orçamentários induzidos pela pandemia, o país sul-americano é apontado como uma das próximas grandes fronteiras. Uma população de 214 milhões de pessoas e a obsessão nacional pelo futebol são perspectivas atraentes para os apostadores.

A Entain planeja solicitar uma licença de apostas esportivas brasileiras “assim que estiver disponível”, disse seu vice-presidente sênior de assuntos regulatórios americanos, Martin Lycka. “É uma oportunidade muito empolgante e o regulamento está finalmente chegando lá. Como a carga fiscal global será de cerca de 19 por cento da receita bruta do jogo, em comparação com algumas jurisdições europeias, o mercado será mais acolhedor”, acrescentou.

Os mercados europeus maduros normalmente recebem mais de um quinto do rendimento bruto do jogo – o valor retido pelos operadores após o pagamento dos ganhos. Na Grécia, a taxa de imposto é de cerca de 34% do GGY, enquanto na Itália é de 24%.

A Bet365, outro grupo do Reino Unido que, como a Entain, possui sites em português, está explorando a criação de uma empresa no Brasil e está recrutando executivos locais.

“Em termos de jogos de azar legais, o Brasil é absolutamente um gigante adormecido”, disse James Kilsby, diretor administrativo das Américas da Vixio. “[Ele] tem o potencial de se tornar um dos cinco principais mercados regulamentados globalmente, juntamente com países como Reino Unido, Austrália e, em seguida, Nova York, Itália e França.”

A empolgação foi alimentada pelo progresso nos esforços para derrubar efetivamente a proibição de jogos de azar que remonta à década de 1940. Legisladores da Câmara dos Deputados do Brasil votaram recentemente a favor de um projeto de lei que permitiria salas de bingo, cassinos e máquinas caça-níqueis, entre outras atividades.

No entanto, atitudes relaxadas em relação ao jogo não são universais. O presidente de extrema direita Jair Bolsonaro ameaçou vetar a legislação – embora isso possa ser derrubado pelo legislativo – e também há oposição de uma influente bancada de cristãos evangélicos, que alertam para o risco de vício.

Várias empresas de jogos de azar, incluindo algumas que operam plataformas digitais que oferecem apostas para brasileiros de fora do país, não responderam ou se recusaram a comentar este artigo.

Por enquanto, a falta de diretrizes legais para acompanhar o estatuto de 2018 que descriminalizou as apostas esportivas de probabilidades fixas significa que muitas das centenas de sites ativos permanecem em jurisdições como Gibraltar, privando o Brasil de receitas fiscais e empregos.

O provedor de dados H2 Gambling Capital estima que a receita bruta de jogos de azar (GRR) nesse “mercado cinza” não regulamentado e offshore atingiu R$ 1,98 bilhão (US$ 400 milhões) no ano passado. Se os regulamentos forem introduzidos dentro do cronograma, estima-se que a GRR geral no primeiro ano completo de apostas esportivas legais no Brasil possa atingir R$ 3,7 bilhões em 2023, subindo para R$ 5,5 bilhões em 2026.

A busca por novos públicos é evidente nos campos de futebol. Dezenove dos 20 clubes da primeira divisão nacional têm algum tipo de patrocínio de apostas esportivas, sejam acordos duradouros ou pontuais, segundo os pesquisadores de mercado Ibope Repucom.

Na temporada passada, as casas de apostas na internet ocuparam o centro da camisa de seis times, considerados imóveis de publicidade prime, mais do que qualquer outra categoria única de patrocinador. “Eles estão se tornando um dos principais”, disse Arthur Bernardo Neto, diretor de desenvolvimento de negócios do Ibope Repucom. Os bloqueios e restrições do covid-19 contribuíram para que mais pessoas experimentassem jogos de azar online enquanto estavam presas em casa, acrescentou.

A Casa de Apostas, que patrocina o Esporte Clube Bahia no estado nordestino de mesmo nome, é uma das marcas nacionais. “Os brasileiros estão aprendendo a apostar, temos um vasto campo de oportunidades. A Copa do Mundo trará um grande aumento em nossa atividade”, disse o gerente de relacionamento Anderson Nunes.

Como nos EUA, os operadores de esportes de fantasia também estão de olho em uma mudança para as apostas esportivas assim que o regulamento for firmado. Nigel Eccles, cofundador da empresa de jogos de azar norte-americana FanDuel e presidente da startup brasileira de esportes de fantasia Rei do Pitaco, disse que será um terreno fértil.

“O nível de paixão deles pelo futebol está fora das paradas. Eles seguem muitas ligas diferentes – o Campeonato Brasileiro, mas também a Premier League, a Copa Libertadores e mais coisas internacionais. Acho que a longo prazo poderá ser um dos maiores mercados a nível mundial”, explicou Eccles.

No entanto, uma questão não resolvida é que tipo de abordagem regulatória Brasília adotará. As duas opções amplas são um modelo de autorização com licenças ilimitadas emitidas para cada operador que satisfaça os requisitos legais, financeiros e outros; ou um esquema de concessão, onde as empresas licitam competitivamente por um número finito de licenças.

Neil Montgomery, sócio fundador do escritório de advocacia Montgomery & Associados, argumenta que o primeiro pode “ser um grande catalisador para o crescimento”. “O melhor para o governo é trabalhar em escala e regularizar o maior número de operadoras possível. Acho que isso vai gerar mais receita [tributária]”, ele adicionou.

Anderson, da Casa de Apostas, disse esperar que a nova regulamentação estabeleça boas práticas e ajude a evitar problemas de jogo: “Com as regras do jogo definidas, vai dar mais segurança ao consumidor, para nós operadores e para o Estado”.

Mesmo que uma versão mais permissiva seja adotada, alguns acreditam que certas operadoras não conseguirão atender às condições ou custos de uma licença, resultando em um abalo em um setor que conta com cerca de 450 sites. Mas os jogadores maiores que podem arcar com o fardo veem um prêmio atraente. “Estamos empolgados com isso”, disse Jackson.